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Gestos de Licitação

Ao longo destes quase 20 anos a organizar leilões, quando a curiosidade de alguém que nunca frequentou leilões nos interpela, quase sempre a primeira pergunta está relacionada com os gestos de licitação nos leilões em sala.

Se eu levantar os olhos num lote de 1.000€ o pregoeiro vai atribuir-me o lance? E se for a caneta? Terá de ser com o catálogo?

Como devem imaginar, em 20 anos já vimos muita coisa. A forma mais comum de licitar é recorrendo ao número que lhe é atribuído no início de cada leilão. Depois há o recurso à caneta, à mão ou ao dedo. Finalmente, um pouco mais dissimulado – ou assim esperam os licitantes – os gestos com o rosto e com o olhar.

Cada comprador tem a sua própria estratégia e os seus gestos a ela associada. Há aqueles que preferem mostrar claramente a toda a sala que estão a licitar. Quase como a querer dizer, eu não vou largar. Outros preferem permanecer o mais escondidos possível, evitando o mais possível serem reconhecidos como um dos licitantes para o lote. Pelo meio, há os distraídos que, a meio da licitação perguntam qual é o lote em praça para, confirmando o que já sabem, dizer “obrigado” e levantarem o seu número.

O mais difícil licitante que alguma vez encontrei apareceu pela primeira vez num leilão com literatura contemporânea e efémera ligada a ela. Sentou-se na primeira fila. O leilão começou, fez-me um primeiro sinal, muito escondido que vi por acaso. Depois disso, baixou os olhos e ficou imóvel. Olhei para confirmar e, perante a ausência de gestos, atribuí o lote a outro cliente. Lançou-me um olhar fulminante. Perguntei “estava a licitar?”, anuiu com a cabeça sem dizer uma palavra. Voltei atrás, como é regra em todos os leilões, o outro cliente deu mais um lance e quando regressei permanecia imóvel. Inquiri novamente se estava a licitar e novo olhar irritado, mas lá conseguiu comprar o lote.

Passei, naturalmente, a ficar mais atento. Para entrar na contenda, simplesmente olhava-me nos olhos sem qualquer expressão. A partir desse momento, ficava imóvel, a olhar para baixo na direcção do catálogo. Nada, nenhum movimento, nenhuma expressão, tentando parecer o mais invisível dos clientes em sala. Perceber como entrava levou-me apenas 2 lotes, mas perceber se permanecia na contenda ou se já desistira foi mais difícil.

Pessoas sentadas numa plateia realizam gestos naturais: ajeitam-se na cadeira, esticam-se, encolhem-se, põem o catálogo ora para cima, ora para baixo, falam com a pessoa do lado. Qualquer pregoeiro ignora esses gestos. Este nosso cliente, para desistir, passava da imobilidade para o comportamento normal de uma pessoa sentada. Por vezes anotava coisas, outras olhava para a sua colaboradora que o acompanhava sempre, outras ajeitava-se na cadeira, ou seja, gestos que naturalmente um pregoeiro tende a ignorar e que, ainda por cima, nunca eram iguais.

Foi um dos melhores clientes que tivemos nessa época, criterioso nas compras, conhecedor e um verdadeiro desafio sempre que entrava na sala.

Para os pouco experientes, fiquem descansados, gestos inadvertidos não se transformam em licitações. O pregoeiro saberá interpretar, mesmo que permaneça imóvel como este paciente pregoeiro da Sotheby’s.