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Do Primeiro Leilão em que o Nuno Participou

Conheça a história do primeiro leilão onde o Nuno participou.

A história da bibliofilia, de certo modo, confunde-se com a história dos leilões. Existentes desde o século XVIII, os catálogos deixaram um conjunto vasto de dados importantes para a história do livro e da bibliofilia e são, ainda hoje, um recurso importante para profissionais e colecionadores. Entre nós, os casos mais emblemáticos e conhecidos são os das bibliotecas de Azevedo-Samodães ou Ameal, mas outros, mais recentes, são referenciados amiúde pelos profissionais.

O Nuno, ainda antes de se juntar a seu Pai, teve o privilégio de participar em alguns leilões. E bem diferentes que eles eram.

O primeiro a que assistiu, forçado, foi em 1991 na Soares e Mendonça. Quase sempre, numa regra não escrita, mas durante anos levada à letra, os leiloeiros informavam-se uns aos outros do seu calendário para que não existissem sobreposições. Dessa vez, no entanto, aconteciam dois leilões em simultâneo. O Pai do Nuno foi a um, o que tinha os títulos mais importantes, deixando ao Nuno a tarefa de licitar meia dúzia de lotes no do Soares e Mendonça.

Chegou cedo, apresentou-se, e lá o sentaram ao lado esquerdo do pregoeiro, o Sr. Luís. Era outro tempo, e apesar dos seus 16 anos, ofereceram-lhe de imediato café, Porto ou Whisky. Ficou-se pelo café.

Observou o cenário. As mesas disposta em U, começavam a encher-se de catálogos, mas poucos permaneciam sentados. A maioria estava de pé, junto às estantes, conversando uns com os outros, muito provavelmente, hoje o sabe, num último esforço para afastar a concorrência. Um assobio persistente ouvia-se por todo o espaço, interrompido quando alguém lhe dirigia a palavra ou para cumprimentar o Sr. Dr. que entretanto entrava na sala. A formalidade era evidente, mas não aquela cerimoniosa de um jantar real. Assemelhava-se mais a um encontro cordial entre adversários que se respeitam e nalguns casos até se admiram, antes da batalha final.

O Sr. Luís sentou-se no púlpito alto no centro da sala e dirigiu-se aos presentes com as palavras costumeiras nos leilões. As condições gerais e especialmente a que se referia à dúvida sobre o último licitante e, mais uma vez, “os Ex.mos Srs que quiserem um Porto ou um cafézinho, façam o favor de o pedir.” Metade dos presentes não ouviu. Permaneceu exactamente onde estava e com quem estava. Só quando se ouviu, “Vamos dar início ao leilão”, um burburinho provocado por cadeiras, canetas e catálogos a abrir iniciou-se tão rápido quanto terminou. O primeiro tiro ia ser dado nos segundos seguintes.

O Nuno sentiu de imediato uma tensão crescente, até aí inexistente e que, percebeu mais tarde, é denominador comum em todas as salas de leilão, especialmente nos bons. Numa sala já cheia de fumo de cigarro e charuto que não mais se apagaram até ao final da noite, as trocas de olhares passaram de cordialidade e admiração para desconfiança e alerta. Segundos depois, o martelo bateu na mesa pela primeira vez e o Sr. Luís anunciou “dez contos e quinhentos para o Sr. Eng.º, não retira.”

Não se recorda se conseguiu comprar alguma coisa para o Pai. Mas lembra-se bem de ter levantado o braço trémulo pela primeira vez e, de imediato, sentir toda a sala trocar olhares entre si como que a perguntar, quem é este miúdo?

Este miúdo, aqui está, mais de 30 anos depois, apaixonado pela sua profissão, emprestando a cada verbete que faz o mesmo carinho e empenho com que tentou fazer o primeiro.

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